Carlos Lamarca (Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1937 — Pintada, 17 de setembro de 1971) foi um dos líderes da oposição armada à ditadura militar brasileira instalada no país em 1964.
Capitão do Exército Brasileiro, desertou em 1969 tornando-se um dos comandantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização daguerrilha armada de extrema-esquerda que combatia o regime. Elevado à condição de ícone revolucionário do socialismo e da esquerda brasileira,1foi condenado pelo regime militar como traidor e desertor e considerado seu principal inimigo.2 Caçado pelas forças de segurança por todo o país, ele comandou diversos assaltos a bancos, montou um foco guerrilheiro na região do Vale do Ribeira, sul do estado de São Paulo e liderou o grupo que sequestrou o embaixador suíço Giovanni Bucher no Rio de Janeiro, em 1970, em troca da libertação de 70 presos políticos.
Perseguido por mais de dois anos pelos militares, foi localizado e morto no interior da Bahia em 17 de setembro de 1971. Trinta e seis anos após sua morte, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça sob supervisão do Ministro da Justiça Tarso Genro, dedicou sua sessão inaugural a promovê-lo a coronel do Exército e a reconhecer a condição de perseguidos políticos de sua viúva e filhos.
Lamarca, em 1968, ainda no exército, dando treinamento de tiro para funcionárias do Bradesco.
Deserção e clandestinidade
Filho de pai sapateiro e mãe dona de casa, ele viveu até os 17 anos no Morro de São Carlos, no Estácio, no Rio de Janeiro, um entre sete irmãos. Fez o curso primário na Escola Canadá e o ginasial no Instituto Arcoverde.4 Em 1955, ingressa na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, e dois anos depois é transferido para a Academia Militar das Agulhas Negras, emResende (RJ), onde forma-se como aspirante a oficial em 1960, 46º colocado entre os 57 alunos da turma.5 Seu primeiro posto é no 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, Osasco, São Paulo.6 Magro, 1,70 m, olhos escuros, desde cedo destacou-se como exímio atirador, sendo o melhor de seu regimento, representando o II Exército num torneio de tiro em Recife.7 No mesmo ano, ele tem seu primeiro filho, César, de seu casamento no ano anterior com Maria Pavan, sua irmã de criação.
Em 1962, integrou o Batalhão Suez, nas Forças de Paz da ONU na região de Gaza, Palestina, onde serviu na 7ª Companhia sob as ordens do major Alcio Costa e Silva, filho do futuropresidente da República7 e de onde retornou dezoito meses mais tarde, com as primeiras ideias socialistas, graças à pobreza que testemunhou no local e ao começo da leitura de clássicos marxistas.8 Numa carta a amigos, afirmou que se fosse preciso entrar em combate, entraria ao lado dos árabes, impressionado com a realidade deste povo na região, que considerava cruel.9De volta ao Brasil em 1963, estava servindo à 6ª Companhia de Polícia do Exército, em Porto Alegre, quando ocorreu o golpe militar de 1964.6 Em dezembro do mesmo ano, ainda servindo nosul, deu fuga a um capitão brizolista que estava sob sua guarda.10
Retornando a Quitaúna em 1965, transferido a pedido de Porto Alegre, foi promovido ao posto de capitão em 1967. Lá ele reencontra Darcy Rodrigues, um antigo companheiro, sargento do exército preso em 1964 mas que havia sido reintegrado à força. Darcy era o homem que fazia o trabalho de convencimento político no quartel e com ele Lamarca começou a tomar contato com as obras de Lenin e Mao Zedong.11 Até então, Lamarca não tinha qualquer militância registrada em partidos de esquerda organizados.12 A partir deste ano, iniciou contatos com facções que defendiam a luta armada para derrubar o governo militar e implantar um regime socialista no país. Disposto a desertar e juntar-se à guerrilha, Lamarca começou a organizar uma célula comunista dentro do 4º Regimento, que incluía o sargento, um cabo e um soldado. Em setembro de 1968, ele conseguiu encontrar-se com o líder doPCdoB, Carlos Marighella, que ajudou-o a colocar sua mulher e seus filhos fora do Brasil - foram viver em Cuba - como salvaguarda da família para o que pretendia fazer.10 No mesmo ano, ironicamente, enquanto amadurecia suas ideias de socialismo e deserção, Lamarca atuava como instrutor de tiro para caixas de banco do Bradesco, por indicação do exército, treinando funcionárias do estabelecimento bancário para enfrentar os assaltos que então eram constantemente praticados pelas organizações de esquerda.10
Desde dezembro, logo após a instituição do AI-5, Lamarca mantinha contatos com Onofre Pinto, ex-sargento que com ele comandaria a VPR e responsável por diversas operações de guerrilha urbana realizadas em 1968, com a intenção de criarem um futuro foco de guerrilha rural estabelecida no estado do Pará.10
O plano imediato era que Lamarca e seus companheiros de farda desertariam em 26 de janeiro, levando do 4º Regimento cerca de 560 fuzis, muita munição e dois obuses. A VPR então criaria um clima de guerra civil no país, bombardeando o Palácio dos Bandeirantes, a Academia de Polícia e o QG do II Exército, tomando também a torre de comunicação do Campo de Marte. O plano entretanto, foi frustrado pelo acaso. Três dias antes da data marcada, o caminhão pintado com as cores do exército, que seria usado para a retirada das armas, foi descoberto numachácara em Itapecerica da Serra 13 , perto de São Paulo, enquanto sua pintura era terminada, porque um menino das redondezas que se acercou do local foi maltratado pelos pintores e reclamou com o pai que chamou a polícia. Três integrantes da VPR, ex-militares, foram presos, se passando por contrabandistas.14
O fato acabou com o fator surpresa esperado e obrigou a ação a ser antecipada. Em 24 de janeiro de 1969, acompanhado do sargento Darcy, do cabo José Mariani e do soldado Roberto Zanirato, ele fugiu do 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna numa Kombi, levando consigo 63 fuzis FAL, três metralhadoras leves e alguma munição, bem menos que o pretendido.15 Lamarca deixava as Forças Armadas e entrava na clandestinidade, na qual viveria até sua morte.
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